O conto, un género claro-escuro

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© Xavier Frías Conde, 2023

JUSTIFICAÇÃO

O conto tem acompanhado a humanidade praticamente desde os seus inícios. Eram contos o que os humanos escutavam ao redor do lume, narrados por um maior. De facto, a grande evolução da narrativa é a que acompanha o conto desde o surgimento da humanidade até aos dias de hoje. Tanto é assim que o conceito de conto fica um bocadinho ambíguo.

O conto nem é só para crianças, existe o conto para adultos, mas neste caso evita-se a denominação de conto para se referir a ele como narrativa, com o fim de distinguir entre uma história para crianças ou para adultos. Contudo, considero que é uma distinção que não responde ao subgénero, mas ao público alvo.

Neste escrito vou centrar-me no conto cujo público alvo é o infantojuvenil, mas inclusive neste caso, o conceito de conto é muito denso, pelo qual começaremos distinguindo entre os distintos tipos de conto que existem.

CONTOS E CONTOS

O subgénero do conto tem uma história tão antiga como a Humanidade. Podemos apresentar os tipos de contos consoante uma visão histórica:

  1. Conto tradicional, que é anterior ao nascimento do conto atual no século XX. Por norma, os contos tradicionais já não são escritos, embora cheguem até aos leitores atuais.
    1. Conto da tradição oral: foram transmitidos dentro das distintas sociedades, com temáticas muito conhecidas, no início sempre oralmente, até quando alguns foram plasmados por escrito. Predominam os contos de animais, de personagens com algum dom, mitológicos, etc.
    2. Conto clássico: em muitos casos trata-se de contos da tradição oral que são recriados por autores de até o século XIX, tais como Hans Christian Andersen, os irmãos Grimm, Perrault, etc. São amiúde conhecidos como contos de fadas.
  2. Conto de autor, que nascem principalmente no século XX e seguem padrões literários modernos, embora as temáticas e os tratamentos amiúde sejam semelhantes com os contos clássicos. Incorporam em muitos casos técnicas literárias deste século e do anterior que não existiam nos contos anteriores ou que mal se encontravam neles. 

Esta classificação é indubitavelmente discutível, mas serve para o nosso propósito de privilegiar o conto como formato literário que requer de maior presença no universo literário infanto-juvenil. 

No seguinte gráfico representamos como os distintos contos se desenvolvem ao longo da história:

Gráfico 1

Sendo assim, o conto moderno deve a sua existência aos contos de tradição oral através dos contos de fadas.

O CONTO NA ZONA MISTA

Uma outra questão é a presença do conto no que chamamos zonas mistas. Este é um conceito que cunhámos para nos referir a essas zonas em que as definições dos géneros ficam difuminadas porque as suas características correspondem a dois géneros simultaneamente. 

Assim, vamos assinalar três tipos de contos da zona mista:

  1. Quando um conto tem forma rimada, mas não é mesmo um poema, é uma zona mista entre poesia e narrativa, é um conto rimado. 
  2. Quando um microconto se sustém completamente com diálogos, trata-se de uma zona mista entre teatro e narrativa. 
  3. Quando um conto é apoiado nas imagens através de textos muito breves dá lugar ao álbum. Não é possível utilizar uma novela para criar um álbum, pois a extensão do texto tem de ser relativamente breve. O álbum apresenta, portanto, a fusão entre a imagem e o texto como traço principal, com um formato grande por norma.

O CONTO NO SÉCULO XXI

A dias de hoje, as editoras publicam contos principalmente para um público muito novo, os chamados de primeiros leitores.

Fora daí, parece mesmo que o conto vira um subgénero que não cumpre os padrões literários que muitos editores (e também professores) acham que são adequados para os leitores.

Sem atendermos para qualquer estudo, representamos no seguinte gráfico a quantidade média de páginas que vem lendo um estudante com cada livro segundo a sua idade:

Porém, o gráfico 2 requer do gráfico 3 para entender qual o formato em que tais páginas se divide segundo o número de páginas:

Segundo os gráficos anteriores, o conto não é mais do que um passo prévio à consolidação da novela e depois do romance.

Esta ideia de a novela e o romance serem os géneros rei nem só aparece na literatura infantil, também na literatura convencional acontece que é muito complicado encontrar nas prateleiras das livrarias várias narrativas num só conto.

É precisamente esta ideia que encontramos completamente errada. O conto não pode ser considerado um passo prévio à novela. Os leitores infantojuvenis podem ler novelas e romances sem qualquer problema, mas sem retirar-lhes a hipótese de lerem coletâneas de contos.

Achar que um texto de 100 páginas pode ser apenas um romance para um público juvenil é um erro. As 100 páginas podem ser divididas assim:

  • 100 páginas = entre 10 e 12 contos
  • 100 páginas = 2 novelas
  • 100 páginas = 1 romance

É o leitor que pode e deve escolher como quer ler essas 100 páginas. A questão é que 100 páginas para uma editora representam um romance. Todavia nem só a maioria das editoras seguem este critério, porque na imensa maioria de concursos literários não se aceitam coletâneas de contos, mas novelas e romances. Apenas tenho visto uns poucos em que se reconheça especificamente que o texto para ser apresentado pode constar de uma coleção de contos.

Aliás, as divisões na literatura nem sempre são precisas. Se tomarmos o texto de As mil e uma noites, encontramos uma estrutura que chamamos de conto matriz, onde uma história recolhe dentro de si outras histórias.

Pessoalmente tenho experimentado todos os formatos aqui expostos. Tenho publicado livros com coletâneas de 15 contos, livros com 3 novelas e livros com um conto matriz, para além de coletâneas de microcontos, mas não vou tratar disso cá.

Se se fizer edição na internet, o único formato apto é o do conto. Quem quiser publicar romance e até novela vai ter imensas complicações, mais com o público infantojuvenil do que com o público adulto.

O leitor deve poder ter a opção de escolher como se estrutura o livro que gostaria de ler. Infelizmente, nos dias de hoje, mais de 90% da oferta para leitores por cima de 8 anos são novelas e por cima de 10 são os romances. Chega com ver os catálogos das editoras para ver que praticamente não se publicam coletâneas de contos. Paradoxalmente, quando os professores pedem aos seus alunos para criarem textos literários, estes são quase sempre contos.

Reclamo, portanto, um lugar justo para o conto no contexto literário. Não é um formato secundário nem inferior. É, de facto, a base da literatura infantojuvenil e até da literatura em geral.

OS CONTOS E AS ESTÓRIAS

Já anteriormente falámos dos traços que definem o conto. Mas a seguir, trataremos de uma questão que afeta o conto como subgénero dentro da narrativa. 

Para começar, não tudo quanto parece um conto é mesmo um conto. É preciso portanto localizar o conto dentro dos distintos tipos de textos com uma extensão parecida. 

Começaremos com o conceito de estória, que definimos como uma narração que pode ser literária ou não. Dentro dela, encontramos desde anedotas a episódios pessoais e certamente contos. 

Portanto, qual o traço principal do conto que não possuem os outros tipos de textos que incluímos nas estórias? Trata-se de um traço crucial, isto é, o conto é literário, enquanto os outros textos não são. 

Esta questão, aparentemente tão óbvia, exprime algumas confusões. Como dissemos antes, não tudo quanto parece um conto é mesmo um conto. Portanto, se não é um conto, não é objeto de estudo dentro da LIJ. 

O facto de identificar as estórias com os contos justifica que alguns estudiosos declarem que a literatura para a infância não pode ser estudada no mesmo nível do que a literatura convencional e argumentam que não tem a mesma qualidade. Afirmar isto de um conto literário é um disparate. 

Porém, atualmente há uma outra questão que provoca imensas confusões. Trata-se do que aqui chamaremos pseudo-contos e que também são conhecidos como contos-para. Trata-se desses textos que, sob forma literária (mas que de facto carecem dela) são autênticos manuais para miúdos. Podem tratar temas muito delicados como a morte, as doenças, a violência de género, o racismo, etc., e ao mesmo tempo ocupar-se com questões como a higiene, o respeito aos animais, ao entorno, etc.

Precisamente o seu formato aparente de contos causa uma imensa confusão. Embora seja inegável que estes textos ajudam as crianças a perceberem melhor o mundo, não são contos, de facto, nem têm um argumento que possa ser considerado literário.

É preciso perguntar-se quais as características do conto literário. Não é simples responder a isto, pois nem sempre os traços que teoricamente o definem aparecem todos eles. O conto é ficção, pode ser inspirado em factos reais, imaginários ou até uma combinação dos anteriores. A maioria dos contos, ao narrarem uma história, apresentam um início, um enredo e uma conclusão.

Aliás, está a questão dos valores. Embora parecesse que já fosse algo superado, de facto não é e muitos autores, educadores, bibliotecários e até mediadores não percebem que os contos não sejam transmissores de valores. É uma visão do texto literário que visa ensinar e não entreter. Isto está a causar que os critérios que muitos adultos têm para recomendarem leituras sejam terroríficos, pois só procuram que os textos estejam cheios de valores. E não esqueçamos aqueles “autores” que apenas criam textos com valores, cuja qualidade literária é, por norma, muito fraca. Para expressar o que queremos dizer com a literatura de valores, é melhor lerem esta narrativa:

━ Acho que vão gostar do que vos vou ler ━comentou a professora para os seus alunos━. É algo que escrevi eu e que está cheio de valores. Porque é disso que vocês precisam, de valores. E qual o melhor modo de vocês se acostumarem aos valores que com estórias?

Uma das alumnas, a Rita, pegou no texto entre as suas mãos e leu:

«Era uma vez um menino chamado Mariano, muito egoísta, que nunca quis partilhar nada com os companheiros da turma. Mariano sempre tinha os melhores quadros, as melhores canetas, os melhores cadernos… Também vestia as melhores roupas. Até que um dia lhe deram uma bola. Os seus companheiros perguntaram-lhe se poderiam jogar juntos. O Mariano, o menino egoísta, disse que não, que não ia partilhar a bola com os colegas no recreio. Por isso ele ficou sozinho num canto do pátio, driblando a bola sozinho. Mas os seus companheiros fizeram uma bola com suas próprias camisas e divertiram-se muito. Eles jogaram uma partida. O Mariano olhou para eles com inveja e então entendeu que se não partilhava as suas coisas com os companheiros, ele seria infeliz. No dia seguinte, no recreio, ofereceu a bola aos colegas para todos jogarem futebol juntos com a nova bola, e os colegas disseram-lhe: “Obrigado”. E o Mariano até fez um gol e entendeu que compartilhar é muito bonito.».

━ Gostaste? perguntou a professora.

A Rita suspirou e comentou:

━ A professora sabe que pode dizer a mesma coisa mais eficazmente e sem nos aburrir?

━ Não…

━ Então observe…

«Aconteceu que havia um rapaz chamado Mariano, muito egoísta, que dando pontapés à bola ele sozinho aborreceu-se e compreendeu que partilhar é muito bonito».

━ Mas, Rita, se fizeres isso, já não há conto.

━ A sério? Nunca teria dito que o que a professora escreveu fosse um conto…

Frantz Ferentz, 2014

Portanto, o conto literário tem uma série de traços próprios que o individualizam dentro do conjunto das estórias. Ele é o verdadeiro objeto de estudo e é preciso que à hora de analisar os materiais que leem as crianças tenhamos presentes o que é uma estória, um pseudo-conto e um conto.

A TIRANIA DO POLITICAMENTE CORRETO

Nos últimos anos, tem-se desenvolvido uma teima entre editores, autores e mormente educadores para os contos serem politicamente corretos. Isto produziu que textos inclusive clássicos fossem revistos do ponto de vista da linguagem, chegando a extremos como ter criados listas de livros não aptos para a infância.

Não vou entrar a discutir cá o grau de estultícia que podem chegar a alcançar estas revisões e estas listas negras, pois são injustificáveis (e que de facto não têm nada a ver com a proteção à infância, embora tencionem sê-lo)

Novamente utilizo um conto para ilustrar como essas mentes bem-intencionadas não fazem mais do que destruir a literatura com o objetivo de introduzirem ou eliminarem elementos que acham que os leitores infantis não conseguem perceber, o qual é totalmente falso. É possível que nalgumas ocasiões seja preciso explicar ao público infantil o contexto em que uma obra foi criada para entenderem porque se dão certas expressões e até passagens, mas é absurdo manipular e mudar trechos dos textos para “proteger” a infância.

Na verdade, a questão da introdução forçadas dos valores e a procura de formas politicamente corretas vão amiúde juntas. Tem muito a ver com a tendência de superproteger os miúdos e os graúdos, evitando-lhes qualquer frustração, o qual não faz mais do que criar adultos pusilánimes.

Eis o conto:

«Era uma vez um cão que passava as noites a ladrar.

» Tanto ladrido não mais do que incomodar os vizinhos.

» Falaram com o dono do cão para fazê-lo calar-se, mas não havia jeito.

» O cão continuava e continuava a ladrar todas as noites, também nos fins de semana.

» Ninguém no bairro conseguia fazê-lo calar-se.

» A gente, desesperada, quis uma noite assaltar a casa do amo do cão e tapar o focinho do animal.

» Mas então chegou Dona Margarida Fernández de Andrade Lopes da Ribeira, que era experta em cães, disse a todos os vizinhos zangados:

» ━ Este cão precisa que lhe demonstrem que gostam dele.

» E desde esse momento, todos os vizinhos, em turnos de dois, dedicaram-se a fazer festas ao cão um bocadinho antes de irem dormir, de modo que o cão não voltou a ladrar mais à noite.»

Dona Letícia Filomena da Rua, mestra de profissão e amante dos contos, ficou toda satisfeita com aquela história que acabava de compor. Decidiu que a daria a ler aos seus estudantes naquela mesma manhã para depois eles escreverem uma composição sobre ela e, se calhar, criarem uma obra de teatro baseada no seu magnífico conto, porque, segundo ela, era magnífico.

Sempre dava os seus próprios materiais aos estudantes. Para isso, depois de os compor, tirava pela impressora tantas cópias quantos estudantes tinha. E levava o pacotinho para a sala de aula.

Naquele dia não foi uma exceção. Deixou o computador aberto no seu estúdio e foi tomar o café na cozinha. O recendo do café chegava-lhe do outro extremo da casa, de maneira que não ia poder negar-se a ir tomá-lo… Adorava café! Da cozinha sentiu o filho, Luís Alfredo, por algum lado na casa.

━ Á, Luis Alfredo, estás já preparado? –chamou a mãe pelo filho com uma chávena de café entre as mãos.

━ Um momento, que ando aqui a preparar umas coisas para a escola.

Que filho tão porreiro tinha Dona Letícia Filomena da Rua. Quando acabou de tomar o café, voltou para o seu estúdio. E assim, premiu a tecla de imprimir. Vinte e duas cópias, tantas como estudantes tinha e mais uma para si. A impressora começou a cuspir as cópias. Quando estavam todas preparadas, Dona Letícia Filomena da Rua meteu as cópias na pasta, recolheu o filho e todos –mãe, filho e as vinte e duas cópias– foram para a escola bem cedo.  

Dona Letícia Filomena repartiu o conto entre os seus estudantes. No início, todos leram com pouco interesse. É preciso dizer que as histórias da mestra lhes eram algo tediosas, aborreciam com elas, sempre eram tam bonzinhos todos… Porém, ao chegar ao final, começaram a sentir-se gargalhadas pela sala de aulas.

Dona Letícia Filomena não esperava aquilo. Aquela sua história estava a ter um sucesso inesperado. Estava emocionada, aínda que não entendesse muito bem porquê, visto que ela escrevera como sempre fazia e, por norma, não costumava incluir questões de humor nos seus escritos.

Porém, tudo ficou esclarecido quando releu a sua história. O início e o meio eram iguais, mas o final, não… 

«Era uma vez um cão que passava as noites a ladrar.» Tanto ladrido não mais do que incomodar os vizinhos.» Falaram com o dono do cão para fazê-lo calar-se, mas não havia jeito.» O cão continuava e continuava a ladrar todas as noites, também nos fins de semana.» Ninguém no bairro conseguia fazê-lo calar-se.

» A gente, desesperada, quis uma noite assaltar a casa do amo do cão e tapar o focinho do animal.

» Mas então chegou o vizinho rockeiro do quarto andar, que era experto em sons a todo volume, disse a todos os vizinhos zangados:

» ━ Este cão precisa que alguém lhe ensine a ladrar rock.

» E desde esse momento, o vizinho rockeiro dedicou-se a ensinar ao cão a ladrar acompanhado da guitarra elétrica. E como os ensaios eram tão duros de dia, de noite dormia como um santinho.

» Pois é, o cão acabou publicando um disco de ladrorrock com muito sucesso entre cães e os donos dos cães.»

Dona Letícia Filomena não podia acreditar. Ela não escrevera aquel final do conto! Aquel estranho evento precisava duma investigação.

Por isso, quando voltou para casa, começou a investigar o que acontecera. Repassou mentalmente tudo o que se tinha passado desde que acabou de escrever o conto até que o imprimiu. Era um lapso de só dez minutos, incluído o tempo que tinha estado na cozinha a tomar café.

Coçou a cabeça até quase lhe sair fumo. A ver, quem estava em casa, além dela, durante aquel momento? Claro, o filho, o Luis Alfredo!

Devia ter sido ele, quem senão? Não entrara mais ninguém em casa, a menos que se tratasse de um fantasma, o qual ela sabia que podia acontecer, porque os espíritos são mesmo capazes de escrever com o computador.

Mas não, o mais provável é que se tratasse do Luis Alfredo. Encontrou o filho a fazer os deveres no seu quarto, enquanto comia uma sande de queijo com marmelo e ouvia música com os audífonos.fuches ti quem mudou o final do meu conto?

━ Luis Alfredo –começou a dizer a mãe━, quero que me digas a verdade: 

Mas Luis Alfredo só cantarolava algo em inglês, ou algo parecido ao inglês, que era o que escutava pelos fones.

A mãe teve de lhe retirar os auscultadores e repetir-lhe a pregunta. E o Luis Alfredo, sem se imutar, respondeu:

━ Claro, mamã, porque és muito antiga tu com isso dos contos. Tens boas ideias, mas não sabes como as acabar. Os teus estudantes estão fartinhos das tuas histórias onde todos são bonzinhos e todos seguem as regras. Por isso, para te ajudar, hoje quis colocar algo da minha própria colheita. E diz, resultou?

Claro que resultara. Dona Letícia Filomena teve vontade de castigar o filho, mas compreendeu logo que graças a ele triunfara na escola. Como era uma boa mestra, houve de reconhecer que se trabalha melhor entre os dois.

Por isso, desde aquel dia, Dona Letícia Filomena ficava dez minutos a tomar o café na cozinha e, entretanto, o filho entrava sigiloso no estúdio dela e, depois de ler o conto iniciado, inventava ele o final que lhe quadrasse sentado diante do computador.

© Frantz Ferentz, 2010

O CONTO É PARA CRIANÇAS OU PARA ADULTOS?

Nos estudos literários, e também na mercadologia literária, existe uma etiqueta para quase tudo. Para além dos géneros (suspenso, amarelo, romântico, aventuras, etc), tende-se também a classificar a literatura segundo o público alvo para o qual se escreve. E é mesmo aí que existe uma tripla classificação segundo a idade para a qual vão dirigidos os textos. É por isso que, grosso modo, se fala de literatura infantil, literatura juvenil e literatura adulta, sendo esta última a convencional. Já nem vou entrar em como estabelecer as fronteiras entre os diferentes tipos de públicos, onde é que começa a juvenil e termina a infantil, ou quando é que um leitor pode ser considerado adulto, porque não há qualquer consenso sobre isso.

Porém, o estabelecimento destas barreiras nítidas no mercado e a academia, não se correspondem com a realidade. Existem textos cujo alvo é o público infanto-juvenil mas que são lidos por leitores adultos. O caso mais conhecido é a saga do Harry Potter. E o que dizer dos romances de Jules Vernes, que na altura não eram próprios do público juvenil, mas que no século XX foram devorados por gerações e gerações de adolescentes? Por outro lado, existem textos cuja etiquetagem é absolutamente errada, como é o caso d’O Principezinho. Esta singular novela não vai ser direcionada a um público infanto-juvenil, mas adulto. É curioso ver como o livro em questão é colocado nas livrarias na seção de literatura infantil. Há quem até diz que este livro tem dois níveis de leitura. Todavia, o seu autor não pensava num público infantil à hora de o redigir e nem o público jovem tem capacidade de perceber a profundidade da mensagem de Saint-Exupéry.

Portanto, se aceitarmos que existem textos que têm os jovens (e crianças) como público alvo, mas que são lidos por público adulto, então é preciso falar de literatura infadulta. Este conceito nasce da combinação de inf(antil) e adulto. Com ele queremos falar dos textos à partida gerados para um público infanto-juvenil, mas que chegam facilmente a um público adulto. É preciso dizer que não qualquer texto infantil interessa ao público adulto. De facto, os textos para primeiros leitores, por motivos óbvios, não interessam aos adultos, mas sim poderíamos coligir que determinados textos, aptos a partir de uma idade aproximativa de dez anos, gostam a uma série de leitores adultos. Estes seriam os textos que podemos classificar como infadultos.

A questão é que se deveria iniciar uma investigação para entender quais as características dos textos infadultos, ver que temáticas apresenta e porquê certos adultos gostam de textos para a infância ou a adolescência. Eis a clave.

Todavia, deixamos aqui a questão e ficam abertos todos os caminhos para uma eventual análise, porque parece que entramos num terreno fangoso que dará muito para discutir, principalmente porque ainda há muitos adultos que, quando leem textos para crianças, escondem os livros embrulhando as capas em papel de jornal para as pessoas ao redor não se aperceberem. E tudo por não deixarmos sair o miúdo que levamos dentro…

Leituras

Nas seguintes ligações fala-se da necessidade dos adultos lerem textos infantis. Esse é o início da questão, mas apenas isso, o início.

Why adults shouldn’t be embarrassed to read children’s books

https://www.theguardian.com/childrens-books-site/2014/jun/10/adults-reading-ya-kids-teen-fiction-non-pratt

Why All Adults Should Read Children’s Books

Why All Adults Should Read Children’s Books

6 Reasons Adults Should Read Children’s Books

https://www.lakeside.com/jma/6-Reasons-Adults-Should-Read-Childrens-Books

Referências

Sartel, M. Conto

https://www.portugues.com.br/literatura/o-conto-suas-demarcacoes-.html

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Um passo para a frente, um passo para atrás

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Este texto não tenciona ser académico e foi apresentado por mim no 3ª EILIJ de Riobamba (Equador), em abril de 2019. Nele apenas recolho algumas reflexões muito pessoais do ponto de vista de quem escreve para crianças e ocasionalmente publica livros. Pode ser considerado, se calhar, um depoimento, mas insisto, é muito pessoal.

O acesso da infância aos livros é um direito humano, concretamente um direito da infância. Sem o dito acesso à LIJ, uma boa parte do futuro da infância fica em risco, pois um miúdo que lê é um adulto crítico do futuro. Isso soa mesmo perigoso. Se não se toma o costume de ler na infância, não é fácil adquirir o hábito leitor depois.

Se eu tivesse que definir qual a minha visão no geral da LIJ aos dias de hoje, diria que é um passo para a frente, um passo para atrás. É evidente que nunca na história humana se produziram tantos livros como hoje, mas há leitores para tantos livros? Chegam os livros a toda a parte? Têm todos os leitores infanto-juvenis acesso aos livros ou, pelo menos, à leitura? Acho que não, ainda estamos muito longe de poder fornecer bons materiais de leitura a qualquer criança no nosso planeta.

Encontrei nas redes sociais uma notícia recente da imprensa equatoriana onde diz que o preço dos livros aumentou porque não há leitores. Isto não é uma novidade, mas eu já me apercebi há vários anos que no Equador também os preços do papel e da imprensa são insustentáveis. O papel e a impressão sofrem uns impostos enormes, comparado com países vizinhos como a Colômbia, onde se pode editar por preços muito mais razoáveis. Aliás, no Equador mal há tipografias digitais, o qual complica muito mais o trabalho dos editores, nomeadamente os pequenos editores.

Resultado de imagen para the newyorker amazon and bookshopsPorém, aparentemente os livros para um público infanto-juvenil sim se vendem. Basta com dar uma vista de olhos a uma livraria qualquer num local importante. Em todos eles há uma seção, embora seja pequena, de livros para a infância. Eu sempre reparei nos aeroportos, que têm sempre um local de venda de livros (se calhar, a palavra livraria neste contexto é muito inexata). Neles pratica-se a venda do livro comercial que não costuma interessar nada aos docentes. De facto, se compararmos a venda que se dá neste tipo de locais frente às livrarias, acho que em muitos casos poderíamos estar a contrastar o livro literário contra ao livro comercial. Pessoalmente acho que a maioria desses livros vendidos em cadeias desse género não são precisamente bons livros do ponto de vista literário.

Trata-se, no geral de supervendas (vou utilizar esta forma para evitar o anglicismo best-seller), tal como acontece com os livros para o público adulto. Se o valor literário da imensa maioria dos supervendas é discutível na literatura para adultos, é-o mais ainda na literatura para crianças. Assim, nestas cadeias de venda de livros (mas que não são livrarias) encontramos coleções internacionais sustentadas por fortes grupos editoriais, amiúde sem um só autor, mas com uma equipa, que criam séries. A qualidade literária destes textos é, como já disse, amiúde discutível.

Neste tipo de supervendas há um predomínio das sagas. É evidente que a saga é um produto que já vem de antigo, mas a ideia atual não é senão vender “livros em série”, os editores querem fidelizar o público infanto-juvenil com séries de aventuras, como se o livro fosse um elemento de consumo semelhante a outros.

Neste contexto, não podemos esquecer que boa parte da situação atual nasce com a crise da década de 2000, a qual mudou radicalmente o panorama editorial. Antes da crise, o panorama editorial consistia em três tipos de editoras: pequenas, medianas e grandes. Depois da crise, o panorama mudou completamente, porque muitas editoras grandes e medianas desapareceram, mas uma parte delas foram compradas ou absorvidas por grandes grupos. Foi assim que surgiram as macro-editoras. Porém, como contraste, surgiram muitas micro-editoras.

Do meu ponto de vista, as micro-editoras, que são pequenas editoras independentes, são as que publicam a melhor literatura infantil, porque não visam ganhar dinheiro de qualquer forma. Para elas, a edição de livros é em boa medida uma atividade quase artesanal. Estão compostas por equipas pequenas de pessoas que tratam os livros com verdadeiro amor. Porém, por norma, o seu alcance territorial é bastante limitado, raramente ultrapassam as fronteiras estatais e com frequência têm o seu espaço de influência em territórios pequenos, como uma região.Em conclusão, embora não quero generalizar, para as macro-editoras, o livro é principalmente um produto comercial, enquanto para as micro-editoras, o livro é nomeadamente um produto cultural.

Para além do já exposto, o futuro da LIJ tem em perspectiva ainda algumas questões importantes relativas ao formato. Uma delas é a consideração do livro álbum, que para muitos peritos não é mesmo um formato próprio da LIJ, mas não vou ocupar-me dessa questão agora, apenas deixo lá a ideia. A segunda questão é o nascimento das plataformas digitais. Nem só se publicam livros em papel, mas também em formato digital. É claro que o suporte digital não aniquilará o formato em papel. Para além disso, é preciso não perder de vista formatos ainda mais recentes, que respondem ao virtual, é dizer, são textos cuja publicação apenas se dá na net, como é o caso dos blogues, dos quais agora não falarei aqui.

Outro dos reptos da LIJ são as temáticas. Precisamente é neste campo que se deram os avanços mais importantes. Desde a década de 1980 começam a aparecer temas novos que ainda hoje, na parte final da década de 2010, vão tomando corpo. A dias de hoje é normal encontrar textos que tratam de assuntos como a homossexualidade, o assédio (principalmente na escola), as famílias monoparentais, a conservação da natureza, a emigração, a morte, etc. Porém, a abertura a todas estas temáticas não é globalizada. Existe censura e alguns dos temas tratados, por exemplo a homossexualidade ou as famílias monoparentais, não são aceites em muitas editoras por motivos principalmente religiosos. Assim, a homossexualidade não é recusada nos textos portugueses, enquanto sim o é numa parte dos espanhóis. A razão disso radica em que muitas das grandes editoras espanholas pertencem a instituições religiosas, enquanto as portuguesas são totalmente laicas. Por esse motivo, é importante ter presente a autocensura de muitos autores que não tratam de temas delicados de modo a não serem recusados por determinadas editoras.

Contudo, creio que. Em toda temática é válida na LIJ. Pessoalmente nunca trato da religião. É sempre uma fo te de conflitos que não une os leitores. Qualquer um dos temas mencionados acima são universais, mas não considero que o seja a religião.

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Gianni Rodari

Precisamente a década de 1980 foi um tempo de mudança. Pessoalmente acho que Gianni Rodari é um dos grandes transformadores da LIJ. Considero que ele é o pai da LIJ contemporânea.

Um dos reflexos dessa nova LIJ que nasce nessa década é a coleção espanhola El barco de vapor, que ainda continua. Depois dela, vieram muitas outras nas letras em espanhol, também na América Latina, mas infelizmente não vejo o mesmo espírito nestas coleções como há trinta anos. Acho que a causa principal é predomínio do interesse comercial de que venho falando.

Aliás, a década de 1980 é o momento da entrada da LIJ nas salas de aulas como um elemento mais. A ideia é que ler faz parte do processo educacional, mas para isso é necessário adequar as leituras. Esta ideia é ótima, mas a sua implementação incorreta em muitas escolas está a matar o espírito inicial. Contudo, desde então existem campanhas para a incentivação da leitura, preparar-se os professores para serem agentes culturais entre outras coisas. Graças a isso, multiplicou-se o número de crianças que têm acesso à leitura, pelo menos teoricamente.

Outro momento glorioso neste processo é quando a LIJ entra na Universidade e passa a ser uma matéria de estudo. Porém, nem todos os académicos consideram que a literatura infanto-juvenil seja mesmo literatura.

Contudo, essa Arcádia feliz que mencionava antes está parcialmente prostituida trinta anos depois. Infelizmente, as macroeditoras tratam a LIJ com as mesmas técnicas de mercadagem selvagem com que tratam o livro convencional. Embora não se possa (nem se deva) generalizar, sim é certo que há importantes tendências entre este género de editoras gigantes. A primeira é a já mencionada das supervendas, a segunda é a criação de círculos fechados de autores vinculados a tal ou qual editora. Além disso, a concorrência entre as editoras por ganharem as escolas como público alvo cria amiúde autênticas guerras entre elas.

Tal tratamento da literatura infantil como um apêndice da literatura convencional faz com que em Espanha as grandes editoras mal publiquem contos e a sua produção seja quase exclusivamente novela e romance. É inexplicável do ponto de vista literário.

Porém, a generalização da LIJ resultou nefasta ao cair nas mãos de muitos pedagogos. Eles consideram que a LIJ é um  veículo ideal para a transmissão de valores. E é lá que muitos professores esquecem que a literatura é, principalmente, uma ferramenta para o entretenimento. Ninguém nega que a LIJ seja um bom meio para a transmissão de valores, mas não foi concebida para esse fim. Este triste uso da LIJ provoca que apareçam livros com histórias que são apenas histórias, sem valor literário, é dizer, não são contos.

Esta obsessão pelos valores deu-me uma ideia para uma narrativa:

━ Creo que os gustará lo que os voy a leer ━comentó la profesora a sus alumnos━. Es algo que he escrito yo y que está lleno de valores. Porque eso es lo que necesitáis vosotros estudiantes, valores. ¿Y qué mejor modo hay para que os acostumbréis a los valores que con historias?
Una de las alumnas, Rita, cogió el texto entre sus manos y lo leyó:
«Érase una vez un niño llamado Mariano, muy egoísta, que nunca quería compartir nada con sus compañeros. Mariano tenía siempre las mejores pinturas, los mejores bolis, los mejores cuadernos… También llevaba la mejor ropa. Hasta que un día le regalaron un balón. Sus compañeros le preguntaron si podían echar una partida todos juntos. Mariano, el niño egoísta, dijo que no, que no compartiría la pelota con sus compañeros durante el recreo. Por eso se quedó solo en un rincón del patio botando la pelota él solo. Pero sus compañeros hicieron un balón con sus propios jerséis y se lo pasaron en grande. Echaron un partido. Mariano los miró con envidia y entonces entendió que, si no compartía sus cosas con sus compañeros, sería infeliz. Al día siguiente, en el recreo, ofreció el balón a sus compañeros para jugar todos juntos al fútbol con su nuevo balón y sus compañeros le dijeron: “Gracias”. Y Mariano hasta marcó un gol y comprendió que compartir es muy bonito».
━ ¿Qué te parece? ━preguntó la profesora.
Rita suspiró y comentó:
━ ¿Sabe usted que puede decir lo mismo más eficazmente y sin aburrirnos?
━ No…
━ Pues observe…
«Érase una vez un niño llamado Mariano, muy egoísta, que dando patadas al balón él solo se aburrió y comprendió que compartir es muy bonito».
━ Pero, Rita, si haces eso, ya no hay cuento.
━ ¿En serio? Nunca habría dicho que ese texto suyo fuera un cuento…

Frantz Ferentz, 2014

Trata-se, portanto, de pseudo-contos que conseguem o efeito contrário que visam alcançar: que os miúdos odeiem ler.

Para as pessoas que amamos a literatura infantil é preciso continuar a caminhar no relativo à sua difusão. Há bons textos, mas não chegam a toda a parte. Ainda há escolas sem livros em muitos lugares da América Latina. Aliás, para além dos professores, é necessário envolver os pais no processo leitor. A criança copia o que vê em casa.

Xavier Frias Conde, 2019

A educação bilingue, essa falsa panacéia

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Resultado de imagen de bilingualismAs línguas como entes vivos

As línguas são uma espécie de seres vivos, ainda que não o sejam da mesma maneira que os seres humanos. Não é uma vida biológica, mas social. Portanto, as línguas também morrem quando não se dão as circunstâncias que lhes permitem viver.

Para a pergunta de quando morrem as línguas, a resposta, embora pareça complexa, é muito simples: quando os seus falantes deixam de as utilizar.

Os linguistas, principalmente os romanistas, gostamos de dizer que a morte do dálmata aconteceu em 1898 quando morreu o seu derradeiro falante, Antonio Udina. A partir daí, todos os anos certifica-se a morte de línguas, muitas delas línguas milenárias, e acontece em todos os continentes.

Porém, a morte de uma língua nem sempre acontece de uma maneira repentina, com a morte do derradeiro falante. Por vezes, a morte chega por hibridação, de forma que uma geração A é falante ativa da língua tradicional, enquanto a geração B já fala uma coisa híbrida entre a língua tradicional e a nova; finalmente, a geração C já só fala a nova língua. Isto acontece principalmente ─mas não exclusivamente─ com idiomas emparentados. Exemplos disto são o galego e o asturiano a respeito do castelhano, ou o bielorrusso a respeito do russo. A fala híbrida não costuma sobreviver mais de uma geração, depois, desaparece. Este fenómeno, conhecido como contato de línguas, nem sempre se desenvolveu assim. Houve tempos passados quando as línguas em contato davam lugar a novas línguas e é lá que se encontra a origem dos crioulos e dos pidgins.

Ensino bilingue

Já desde o século XX está a ser privilegiado o conhecimento de mais uma língua devido à globalização. Isso deu pé ao desenvolvimento do ensino bilingue. Por um lado, tencionou-se que as populações falassem, para além da própria língua, uma outra maior que permitisse aos seus habitantes fazer negócios para além das suas fronteiras. Esse é um ensino bilingue para cima, enquanto em países e regiões onde a língua própria ficou ameaçada pela língua estatal foi privilegiado um ensino bilingue para baixo. No caso do idioma catalão, os resultados são variáveis segundo as áreas, tal como se explica neste artigo do jornal El País de 2013.

O primeiro está generalizado e mais de 90% das ocasiões é um bilinguismo com o inglês, por ser a língua global. O segundo acontece em muitos lugares do planeta em regiões onde a língua estatal está a ameaçar a existência da língua tradicional. Acontece em Espanha com as línguas próprias (catalão, galego, basco e em menor medida asturiano), na Itália (com algumas línguas como o alemão, o esloveno, o lombardo, o sardo, etc.), no Equador (com o quíchua, principalmente), no México (com dúzias de línguas tradicionais, entre elas o náhuatl). Poderíamos fornecer centos de exemplos, mas não vale a pena.

Na verdade, o ensino bilingue para baixo está a ter resultados entre nulos e pobres na maioria das nações. Porquê? Essa é uma questão que tentaremos responder mais à frente.

Dois modelos de ensino bilingue para cima na União Europeia

E se darmos uma vista de olhos, quais os resultados acerca do ensino bilingue para cima? Embora não disponhamos de dados confrontados, gostaria de comparar dois países onde se promove o ensino bilingue. Um é a Espanha e o outro são os Países Baixos. São provavelmente os dois extremos na União Europeia, embora com a Espanha poderiam ser alinhados países como a Hungria ou a Polónia. O ensino bilingue tem funcionado espetacularmente bem nos Países Baixos, tanto que por vezes o inglês nem é considerado uma língua estrangeira e até se diz que a Holanda é um dos países onde melhor se fala inglês, tanto assim que há vozes de alarme porque há universidades onde já não se emprega o neerlandês como língua veicular, mas o inglês.

E a Espanha? Na Espanha o modelo bilingue não triunfa. Há já mais de dez anos que o ensino bilingue para cima começou a ser implementado e os resultados não parecem ser positivo, tal como se assinala neste artigo do jornal El País. Para além da preparação do professorado, acho que se deve acenar para um fenómeno social que influi negativamente no avanço do inglês (e de qualquer outra língua que não seja a própria). Quando o espanhol médio ouve dizer que a sua é a segunda língua materna mais falada no mundo, crê que é o mesmo que o espanhol ser a segunda língua mais espalhada no mundo, o qual é falso. O espanhol é a língua comum da maioria da América Latina e, certamente da Espanha, mas fora daí não pode competir com o inglês, embora muitos espanhóis ainda acreditem ingenuamente que com o espanhol se pode ir a toda a parte. É, porém, muito complicado mudar esta visão tão fortemente enraizada numa parte da sociedade.

Qual a solução? No caso espanhol, é uma questão de pedagogia, nem só nos centros educativos, mas também na sociedade. Os vizinhos portugueses utilizam o inglês com facilidade. Para além de um melhor ensino do idioma, desfrutam de filmes em inglês com lendagens na televisão. Essa é uma questão que daria muito para falar, mas por agora vamos parar cá.

O modelo de ensino bilingue para baixo

Tenho sido testemunha de como os modelos bilingues para baixo, no geral, falham na Europa e na América Latina. Mas, à diferença dos sistemas para cima, a tendência ao fracasso não é devida à fraca formação do professorado. Sim é certo que há professores cuja competência linguística é baixa, o qual é comentado na Catalunha (mas é extrapolável para as restantes línguas espanholas). Sobre o papel, é fundamental a atitude do professorado, que se deve converter num ativista do idioma, como bem se defende neste artigo acerca do galego. Tal afirmação é certa, mas não basta. A realidade é muito teimosa e demostra uma e outra vez que nem um bom ensino bilingue chega para deter a perda de falantes das línguas tradicionais.

Ensino bilingue misto

Existe, aliás, um sistema de ensino bilingue misto, isto é, tanto para cima como para baixo. No caso das regiões espanholas também se generalizou, de forma que os estudantes recebem o seu ensino em espanhol, inglês e a língua tradicional. É ainda cedo para tirar conclusões.

Afinal, qual a causa do insucesso?

Porém, a razão pela qual o inglês triunfa nos Países Baixos e o catalão e o galego esmorecem é a mesma: a globalização que privilegia umas línguas sobre outras por causa do prestígio. A meu ver, essa é a chave. Na Holanda, o inglês é a língua de maior prestígio. Na Catalunha (e no resto do diassistema catalão) e na Galiza, o espanhol é a língua de prestígio. Os neofalantes e os ativistas da língua não parecem atingir a mudança social que altere a perda de falantes.

Tenho uma experiência muito concluente no Equador em março de 2018. Encontrei-me com uma turma de estudantes universitários numa zona tradicionalmente quíchua-falante em Riobamba. Todos os estudantes tinham entre 18 e 20 anos. Perguntei quantos deles falavam quíchua. Nenhum deles. Perguntei se nas famílias deles ainda falavam quíchua. Na maioria delas sim, de facto todos eles tinham familiares que se expressavam em quíchua, embora fossem só os avôs. Depois perguntei-lhes se eles não gostariam de falar quíchua. A sua resposta foi um silêncio absoluto. Interpretei que não queriam dizer perante mim qual a sua opinião sobre o quíchua, mas já vi que para eles era um idioma inútil que não lhes servia para a sua vida quotidiana na cidade, pois, como acontece em todos os recantos do mundo, o quíchua envolve o passado, enquanto o espanhol envolve o presente e o futuro. Não entrava nos seus planos falarem os dois idiomas. Para quê?

E essa mesma razão comentada para o quíchua, acho que serve para explicar porquê o gaélico irlandês não se configurou como língua comum na República de Irlanda ante o inglês, precisamente a língua do inimigo ancestral.

A tendência das sociedades planetárias é reduzir a diversidade linguística. A morte das línguas está a se acelerar e sabemos que para finais deste século só serão faladas um centenar de línguas estatais, e talvez nem todas elas. A diversidade linguística parece seguir uma sorte parecida com a diversidade ecológica. Parece que o capitalismo brutal só quer obter rendemento a curto prazo.

E nessa realidade é onde o ensino bilingue é que tem que encontrar o seu lugar e a sua razão de ser.

O Principezinho ~ El Principín

capaTinha pendente, desde há meses, a publicação na Ianua Editora da versão eonaviega d’El Principín, isto é, O Principezinho.

Sou ─não tenho qualquer problema em o reconhecer─ um fã absoluto deste livro. Coleciono-o em muitas línguas, mas não sou um obsesso dele. Conheci pessoas que o têm em todas as edições para que foi traduzido. Não é o meu caso. Pessoalmente gosto de o comprar quando chego a um país que visito pela primeira vez e procuro-o. Foi engraçado na Hungria, foi na cidade de Debrecen. Lá ninguém falava outra coisa mais que a própria língua. Por isso, quando quis perguntar pelo livro, nenhum livreiro me entendia. Afinal tive que apanhar o telemóvel e procurar uma imagem da capa, que por norma é quase igual em todas as línguas. Graças a isso pude comprar a versão húngara d’O Principezinho.

Seja como for, eu também quis fazer parte da legião de tradutores desse livro maravilhoso. Foi na década de 1980. Estava traduzido já na altura para muitos falares ibéricos, pelo qual resolvi traduzir para a variante galega familiar, o eonaviego. Fiz uma versão, ainda me lembro, com a velha máquina de escrever Olivetti e até reproduzi várias das aguarelas do autor. Infelizmente não conservo essa edição, mas lembro que estava cheia de correções que fazia com o líquido corretor. Depois, fiz fotocópias daquele livro e presenteei aos amigos.

05c00000Na década de 2000, alguém me perguntou por uma tradução eonaviega. Decerto eu tinha uma, portanto, refiz a minha velha tradução e passei para computador. Aquela pessoa que me perguntara pela versão eonaviega fornecera-me aliás com os desenhos do livro. Assim, através de um indivíduo de Pontevedra fizemos uma pequena tiragem e depois um gajo nos Estados Unidos me enganou para ele a vender.

E assim até 2018. Tinha intenção de reeditar aquela primeira edição que nem tinha ISBN nem nada, porque, na altura, os direitos de autor ainda estavam em vigência. Hoje, felizmente, não são. Há umas semanas, escreveu-me alguém com nome chinês para me perguntar pelo livro na versão eonaviega. Resolvi publicá-lo, para o qual revi a antiga edição e fiz correções. Depois carreguei na Amazon.

26a00000Mas a Amazon, ai a Amazon, chateou-me com a questão dos direitos do autor. O Saint-Expuéry está morto há mais de 75 anos, tristemente. Perguntou-me por todos os pormenores do tradutor do livro (isto é, eu próprio). Bom, afinal aceitaram a publicação do livro.

Depois de 30 anos, o Principezinho em eonaviego está à venda na Amazon… sim, à venda, mas por algum motivo inexplicável, está à venda apenas no Amazon do Japão. Comprovem aqui.

Os efeitos da egojuana

Resultado de imagen de egolatraEle não me conhecia pessoalmente. Encontrara o meu mail numa dessas listas massivas de submissões de mensagens não pedidos que recebera, como também recebo eu, e que não interessam a ninguém que saiba que para além da janela há vida.

Porém, como o meu endereço chegara até ele, sentiu-se obrigado a partilhar comigo todos os seus partos ao teclado. Era um daqueles que apreendera a utilizar o computador como uma arma de destruição literária. Ele deveu pensar que fosse coisa do universo que eu recebesse os seus escritos (eu junto com os outros mil coitados cujos endereços tinham caído nas suas mãos).

Foi assim que ele começou a me enviar os seus discursos redigidos sob os efeitos do cheiro a si próprio. Eu fui muito educado e pedi-lhe para não me mandar mais aquela sua merda de escritos, mas ele considerava-se a si próprio uma ferramenta do universo, portanto continuou a me enviar os seus escritos inspirados pela egojuana.

É capaz que o universo o apoiasse, mas ele ignorava que há uma coisa ainda mais poderosa do que a egojuana sustentada pelo próprio universo: um bloqueador de mail não desejado.

Viva!

O fascismo, é uma doença?

Resultado de imagen de microplasticosOntem deixei a porta do meu gabinete aberta. Foi graças a isso que ouvi uma colega com que mal troco um “bom dia” falar com outra colega no corredor enquanto lhe dizia que uma terceira colega fazia um espaço de televisão para uma estação de televisão da extrema direita (fascista) espanhola e dizia-o com prazer, mesmo orgulho, que alguém da sua malta fizesse propaganda fascista.

Não podia acreditar. É uma pessoa com boa formação. Posso crer que os semi-analfabetos da extrema direita tenham já a pele impregnada da bandeira da pátria, mas como assim as pessoas com boa formação?

Pareceu-me muito grave, por isso procurei uma explicação. Pescudei sem descanso até que descobri que alguém ficou a saber que os microplásticos que já aparecem em toda a parte e são engolidos pelas pessoas em todo planeta, podem ser manipulados patrioticamente para estes colegas os assimilarem no seu organismo. Enfim, pode ser que o fascismo já seja transmitível pelos alimentos. Atenção ao que comem, talvez devam vigiar que não apareça algum género de corante, se calhar com as cores vermelha e amarela e um nome como E-2000 ou outros parecidos com esse.

Literatura infadulta

Resultado de imagen de adults reading children's booksNos estudos literários, e também na mercadologia literária, existe uma etiqueta para quase tudo. Para além dos géneros (suspenso, amarelo, romântico, aventuras, etc), tende-se também a classificar a literatura segundo o publico alvo para o qual se escreve. E é mesmo aí que existe uma tripla classificação segundo a idade para a qual vão dirigidos os textos. É por isso que, grosso modo, se fala de literatura infantil, literatura juvenil e literatura adulta, sendo esta última a convencional. Já nem vou entrar em como estabelecer as fronteiras entre os diferentes tipos de públicos, onde é que começa a juvenil e termina a infantil, ou quando é que um leitor pode ser considerado adulto, porque não há qualquer consenso sobre isso.

Porém, o estabelecimento destas barreiras nítidas no mercado e a academia, não se correspondem com a realidade. Existem textos cujo alvo é o público infanto-juvenil mas que são lidas por leitores adultos. O caso mais conhecido é a saga do Harry Potter. E o que dizer dos romances de Jules Vernes, que na altura não eram próprios do público juvenil, mas que no século XX foram devorados por gerações e gerações de adolescentes? Por outro lado, existem textos cuja etiquetagem é absolutamente errada, como é o caso d’O Principezinho. Esta singular novela não vai direcionada a um público infanto-juvenil, mas adulto. Está curioso ver como o livro em questão é colocado nas livrarias na seção de literatura infantil. Há quem até diz que este livro tem dois níveis de leitura. Todavia, o seu autor não pensava num público infantil à hora de o redigir e nem o público jovem tem capacidade de perceber a profundidade da mensagem de Saint-Exupéry.

Portanto, se aceitarmos que existem textos que têm os jovens (e crianças) como público alvo, mas que são lidos por público adulto, então é preciso falar de literatura infadulta. Este conceito nasce da combinação de inf(antil) e adulto. Com ele queremos falar dos textos à partida gerados para um público infanto-juvenil, mas que chegam facilmente a um público adulto. É preciso dizer que não qualquer texto infantil interessa ao público adulto. De facto, os textos para primeiros leitores, por motivos óbvios, não interessam aos adultos, mas sim poderíamos coligir que determinados textos, aptos a partir de uma idade aproximativa de dez anos, gostam a uma série de leitores adultos. Estes seriam os textos que podemos classificar como infadultos.

A questão é que se deveria iniciar uma investigação para entender quais as caraterísticas dos textos infadultos, ver que temáticas apresenta e porquê certos adultos gostam de textos para a infância ou a adolescência. Eis a clave.

Todavia, deixamos aqui a questão e ficam abertos todos os vieiros para uma eventual análise, porque parece que entramos num terreio fangoso que dará muito para discutir, principalmente porque ainda há muitos adultos que, quando leem textos para crianças, escondem os livros embrulhando-os em papel de jornal para as pessoas ao redor não se aperceberem. E tudo por não deixarmos sair o miúdo que levamos dentro…

Leituras

Nas seguintes ligações fala-se da necessidade dos adultos lerem textos infantis. Esse é o início da questão, mas apenas isso, o início.

Why adults shouldn’t be embarrassed to read children’s books

https://www.theguardian.com/childrens-books-site/2014/jun/10/adults-reading-ya-kids-teen-fiction-non-pratt

Why All Adults Should Read Children’s Books

Why All Adults Should Read Children’s Books

6 Reasons Adults Should Read Children’s Books

https://www.lakeside.com/jma/6-Reasons-Adults-Should-Read-Childrens-Books

Pensamentos quitenhos 3

Resultado de imagen para oxymoronA primeira vez que vim a Quito, em junho de 2015, uma das cousas que me perguntárom foi como ia tudo pola mãe pátria. Bom, essa expressão, se um a analisar sem estresse, é uma autêntica asneira.

Imos ver isto com atenção. Por que tanto interesse pola Espanha quando eles, os equatorianos e o resto de países latino-americanos, lutárom pola sua independência? Por que agora perguntam com nostalgia por Espanha? Não o dou entendido, a sério.

A seguir, mãe e pátria são um oxímoro, uma contradictio in terminis. É que não veem que pátria é palavra derivada de pai, PATER em latim e que, portanto, não pode ser? Os amantes das pátrias não gostam do transgénero, mas falando da mãe pátria estão a lhe atribuir uma condição sexual à pátria estranha. Estão cientes disso? A mesma cousa aconteceria aos alemães com o seu Vaterland, que, a propósito, é neutro, mas não consigo imaginar que os alemães falem de Muttervaterland. Para evitar isso, já há tempo que alguém inventou o conceito de mátria, mas a mátria é feminina e o patriota cheiraria a feminismo por esse lado. Complicado. Ademais, eu não sei de caso nenhum em que o patriotismo tenha dado de comer a ninguém.

Portanto, uma vez superado o devandito oxímoro, nesta ocasião ninguém me perguntou pola mãe pátria, mas várias vezes fui inquerido acerca das minhas preferências de futebol, se gosto do Real Madrid ou do F.C. Barcelona. E aí a cousa piora, porque do primeiro momento eu dixẽ que não gosto de futebol, ante o qual encontrei caras de autêntico pasmo nos meus interlocutores, que devêrom pensar que não sou um autêntico espanhol, e de facto não sou. E é que nos telejornais dedicam muito tempo a falar da liga espanhola, portanto os equatorianos têm profundos conhecimientos do que acontece com as bolas que se batem com os pés nos estádios espanhóis, porque a vida daqueles senhores que correm trás a bola em calças curtas é mais interessante que inflação no próprio país, por exemplo.

Ë, portanto, muito triste que tenhamos passado do oxímoro para o binómio impossível, como se tudo na vida fosse uma questão de escolhas. Talvez seja por isso que ainda não sei se escolher entre o café colombiano e o equatoriano.

Pensamentos quitenhos 2

Fotka uživatele Xavier Frias Conde.Não foi até a minha terceira visita a Quito que descobri uma livraria alemã. Descobri-a por acaso, como se descobre as grandes coisas, por serendipidade. Como não ia reparar em um cartaz que diz Livros para a alma? E a seguir que tinha o título de alemão.

Pois é. Quando me aproximei, na montra estava uma senhora anciã a arrumar uns livros. Se calhar, tinha noventa anos, mas os seus traços eram totalmente alemães. Como já estão a adivinhar, entrei. A senhora veio atender-me imediatamente. Falava um espanhol perfeito, mas com um sotaque alemão fortíssimo. Pedi-lhe para ver os livros infatis. Comprei um por quase dez dólares.

Porém não pude evitar a tentação de falar um bocadinho com ela em alemão. Contei-lhe que estou casado com uma checa e que visito o seu país com frequência, nomeadamente Dresde. Ela explicou-me que procedia do norte, de algum lugar perto de Hamburgo. Enquanto pagava, vi que havia um livro quase escondido numa coluna de livros pendentes de serem classificados. Vi que estava escrito em hebreu. Perguntei-lhe se ela vendia também livros em hebreu. Ela não me respondeu a essa pergunta, só me disse que se tratava da Bíblia. Nesse instante, e fazendo um cálculo da sua idade, imaginei que fosse uma judia alemã fugida da perseguição dos názis. Ainda lhe disse que eu gostava do Kafka, que o tinha lido em alemão. Ela sorriu como uma menina e falou-me acerca de uma checa que morava em Quito e frequentava a sua livraria para comprar livros em alemão que depois lia para os filhos. Tudo num lindíssimo alemão a quase três mil metros de altura. Adorei a conversa.

Finalmente, paguei e fui embora. A seguir fui para um evento poético na da cultura Benjamín Carrión, mas essa já é outra história; porém, regressei para casa com cinco livros, embora eu tivesse saido com as mãos vazios. É claro que os livros me perseguem, não se importa em que língua: alemão, espanhol, ou a linguagem dos sonhos…

Pensamentos quitenhos 1

Resultado de imagen para revengeQuando uma pessoa nos causa mal, cada um de nós temos diferentes maneiras de reagir. Há quem devolve o golpe; há quem não tem coragem de fazê-lo e, portanto, tenta criar uma feia imagem da pessoa em questão; há que tem um grau de santidade inimaginável e perdoa…

Eu não faço nenhuma das três coisas. Não gosto de manter o rancor dentro de mim, mas é certo que preciso deixar sair o mal que me introduziram. Se calhar, a pior coisa para mim não é que alguém me faça anojar-me, mas que me deluda. A delusão é um sensação terrível, porque para mim é muito mais complicado que ela passe do que um mero zangamento. A delusão envolve que a imagem que eu tinha de alguém afinal fosse falsa; fui enganado, portanto, toda a minha empatia foi para o caldeiro do lixo.

Como digo, eu não posso deixar isso dentro de mim, portanto, em vez de atacar, de criar más imagens ou de sublimar, o que fago é usar a pessoa como inspiração e escrever uma estória onde tal pessoa é amiúde protagonista. Sim, é genial transformar a delusão em inspiração. Aconselho-vos fazerde-lo, porque poupa muitas visitas ao psicólogo (e que me perdoem os meus amigos psicólogos, mas se não têm pacientes, sempre podem analisar estas estórias nascidas da delusão).

Portanto, escrevei. Convertei os sujeitos causantes da vossa delusão em sujeitos literários, distorcionai a realidade tudo quanto quiserdes. Talvez algum deles leia o que escrevestes. Talvez. Nesse caso, será vingança, mas será uma suave, inofensiva, vingança literária que mesmo apazigua a alma e creio que não seja mesmo pecado.