
© Xavier Frías Conde, 2023
JUSTIFICAÇÃO
O conto tem acompanhado a humanidade praticamente desde os seus inícios. Eram contos o que os humanos escutavam ao redor do lume, narrados por um maior. De facto, a grande evolução da narrativa é a que acompanha o conto desde o surgimento da humanidade até aos dias de hoje. Tanto é assim que o conceito de conto fica um bocadinho ambíguo.
O conto nem é só para crianças, existe o conto para adultos, mas neste caso evita-se a denominação de conto para se referir a ele como narrativa, com o fim de distinguir entre uma história para crianças ou para adultos. Contudo, considero que é uma distinção que não responde ao subgénero, mas ao público alvo.
Neste escrito vou centrar-me no conto cujo público alvo é o infantojuvenil, mas inclusive neste caso, o conceito de conto é muito denso, pelo qual começaremos distinguindo entre os distintos tipos de conto que existem.
CONTOS E CONTOS
O subgénero do conto tem uma história tão antiga como a Humanidade. Podemos apresentar os tipos de contos consoante uma visão histórica:
- Conto tradicional, que é anterior ao nascimento do conto atual no século XX. Por norma, os contos tradicionais já não são escritos, embora cheguem até aos leitores atuais.
- Conto da tradição oral: foram transmitidos dentro das distintas sociedades, com temáticas muito conhecidas, no início sempre oralmente, até quando alguns foram plasmados por escrito. Predominam os contos de animais, de personagens com algum dom, mitológicos, etc.
- Conto clássico: em muitos casos trata-se de contos da tradição oral que são recriados por autores de até o século XIX, tais como Hans Christian Andersen, os irmãos Grimm, Perrault, etc. São amiúde conhecidos como contos de fadas.
- Conto de autor, que nascem principalmente no século XX e seguem padrões literários modernos, embora as temáticas e os tratamentos amiúde sejam semelhantes com os contos clássicos. Incorporam em muitos casos técnicas literárias deste século e do anterior que não existiam nos contos anteriores ou que mal se encontravam neles.
Esta classificação é indubitavelmente discutível, mas serve para o nosso propósito de privilegiar o conto como formato literário que requer de maior presença no universo literário infanto-juvenil.
No seguinte gráfico representamos como os distintos contos se desenvolvem ao longo da história:
Gráfico 1
Sendo assim, o conto moderno deve a sua existência aos contos de tradição oral através dos contos de fadas.
O CONTO NA ZONA MISTA
Uma outra questão é a presença do conto no que chamamos zonas mistas. Este é um conceito que cunhámos para nos referir a essas zonas em que as definições dos géneros ficam difuminadas porque as suas características correspondem a dois géneros simultaneamente.
Assim, vamos assinalar três tipos de contos da zona mista:
- Quando um conto tem forma rimada, mas não é mesmo um poema, é uma zona mista entre poesia e narrativa, é um conto rimado.
- Quando um microconto se sustém completamente com diálogos, trata-se de uma zona mista entre teatro e narrativa.
- Quando um conto é apoiado nas imagens através de textos muito breves dá lugar ao álbum. Não é possível utilizar uma novela para criar um álbum, pois a extensão do texto tem de ser relativamente breve. O álbum apresenta, portanto, a fusão entre a imagem e o texto como traço principal, com um formato grande por norma.
O CONTO NO SÉCULO XXI
A dias de hoje, as editoras publicam contos principalmente para um público muito novo, os chamados de primeiros leitores.
Fora daí, parece mesmo que o conto vira um subgénero que não cumpre os padrões literários que muitos editores (e também professores) acham que são adequados para os leitores.
Sem atendermos para qualquer estudo, representamos no seguinte gráfico a quantidade média de páginas que vem lendo um estudante com cada livro segundo a sua idade:
Porém, o gráfico 2 requer do gráfico 3 para entender qual o formato em que tais páginas se divide segundo o número de páginas:
Segundo os gráficos anteriores, o conto não é mais do que um passo prévio à consolidação da novela e depois do romance.
Esta ideia de a novela e o romance serem os géneros rei nem só aparece na literatura infantil, também na literatura convencional acontece que é muito complicado encontrar nas prateleiras das livrarias várias narrativas num só conto.
É precisamente esta ideia que encontramos completamente errada. O conto não pode ser considerado um passo prévio à novela. Os leitores infantojuvenis podem ler novelas e romances sem qualquer problema, mas sem retirar-lhes a hipótese de lerem coletâneas de contos.
Achar que um texto de 100 páginas pode ser apenas um romance para um público juvenil é um erro. As 100 páginas podem ser divididas assim:
- 100 páginas = entre 10 e 12 contos
- 100 páginas = 2 novelas
- 100 páginas = 1 romance
É o leitor que pode e deve escolher como quer ler essas 100 páginas. A questão é que 100 páginas para uma editora representam um romance. Todavia nem só a maioria das editoras seguem este critério, porque na imensa maioria de concursos literários não se aceitam coletâneas de contos, mas novelas e romances. Apenas tenho visto uns poucos em que se reconheça especificamente que o texto para ser apresentado pode constar de uma coleção de contos.
Aliás, as divisões na literatura nem sempre são precisas. Se tomarmos o texto de As mil e uma noites, encontramos uma estrutura que chamamos de conto matriz, onde uma história recolhe dentro de si outras histórias.
Pessoalmente tenho experimentado todos os formatos aqui expostos. Tenho publicado livros com coletâneas de 15 contos, livros com 3 novelas e livros com um conto matriz, para além de coletâneas de microcontos, mas não vou tratar disso cá.
Se se fizer edição na internet, o único formato apto é o do conto. Quem quiser publicar romance e até novela vai ter imensas complicações, mais com o público infantojuvenil do que com o público adulto.
O leitor deve poder ter a opção de escolher como se estrutura o livro que gostaria de ler. Infelizmente, nos dias de hoje, mais de 90% da oferta para leitores por cima de 8 anos são novelas e por cima de 10 são os romances. Chega com ver os catálogos das editoras para ver que praticamente não se publicam coletâneas de contos. Paradoxalmente, quando os professores pedem aos seus alunos para criarem textos literários, estes são quase sempre contos.
Reclamo, portanto, um lugar justo para o conto no contexto literário. Não é um formato secundário nem inferior. É, de facto, a base da literatura infantojuvenil e até da literatura em geral.
OS CONTOS E AS ESTÓRIAS
Já anteriormente falámos dos traços que definem o conto. Mas a seguir, trataremos de uma questão que afeta o conto como subgénero dentro da narrativa.
Para começar, não tudo quanto parece um conto é mesmo um conto. É preciso portanto localizar o conto dentro dos distintos tipos de textos com uma extensão parecida.
Começaremos com o conceito de estória, que definimos como uma narração que pode ser literária ou não. Dentro dela, encontramos desde anedotas a episódios pessoais e certamente contos.
Portanto, qual o traço principal do conto que não possuem os outros tipos de textos que incluímos nas estórias? Trata-se de um traço crucial, isto é, o conto é literário, enquanto os outros textos não são.
Esta questão, aparentemente tão óbvia, exprime algumas confusões. Como dissemos antes, não tudo quanto parece um conto é mesmo um conto. Portanto, se não é um conto, não é objeto de estudo dentro da LIJ.
O facto de identificar as estórias com os contos justifica que alguns estudiosos declarem que a literatura para a infância não pode ser estudada no mesmo nível do que a literatura convencional e argumentam que não tem a mesma qualidade. Afirmar isto de um conto literário é um disparate.
Porém, atualmente há uma outra questão que provoca imensas confusões. Trata-se do que aqui chamaremos pseudo-contos e que também são conhecidos como contos-para. Trata-se desses textos que, sob forma literária (mas que de facto carecem dela) são autênticos manuais para miúdos. Podem tratar temas muito delicados como a morte, as doenças, a violência de género, o racismo, etc., e ao mesmo tempo ocupar-se com questões como a higiene, o respeito aos animais, ao entorno, etc.
Precisamente o seu formato aparente de contos causa uma imensa confusão. Embora seja inegável que estes textos ajudam as crianças a perceberem melhor o mundo, não são contos, de facto, nem têm um argumento que possa ser considerado literário.
É preciso perguntar-se quais as características do conto literário. Não é simples responder a isto, pois nem sempre os traços que teoricamente o definem aparecem todos eles. O conto é ficção, pode ser inspirado em factos reais, imaginários ou até uma combinação dos anteriores. A maioria dos contos, ao narrarem uma história, apresentam um início, um enredo e uma conclusão.
Aliás, está a questão dos valores. Embora parecesse que já fosse algo superado, de facto não é e muitos autores, educadores, bibliotecários e até mediadores não percebem que os contos não sejam transmissores de valores. É uma visão do texto literário que visa ensinar e não entreter. Isto está a causar que os critérios que muitos adultos têm para recomendarem leituras sejam terroríficos, pois só procuram que os textos estejam cheios de valores. E não esqueçamos aqueles “autores” que apenas criam textos com valores, cuja qualidade literária é, por norma, muito fraca. Para expressar o que queremos dizer com a literatura de valores, é melhor lerem esta narrativa:
━ Acho que vão gostar do que vos vou ler ━comentou a professora para os seus alunos━. É algo que escrevi eu e que está cheio de valores. Porque é disso que vocês precisam, de valores. E qual o melhor modo de vocês se acostumarem aos valores que com estórias?
Uma das alumnas, a Rita, pegou no texto entre as suas mãos e leu:
«Era uma vez um menino chamado Mariano, muito egoísta, que nunca quis partilhar nada com os companheiros da turma. Mariano sempre tinha os melhores quadros, as melhores canetas, os melhores cadernos… Também vestia as melhores roupas. Até que um dia lhe deram uma bola. Os seus companheiros perguntaram-lhe se poderiam jogar juntos. O Mariano, o menino egoísta, disse que não, que não ia partilhar a bola com os colegas no recreio. Por isso ele ficou sozinho num canto do pátio, driblando a bola sozinho. Mas os seus companheiros fizeram uma bola com suas próprias camisas e divertiram-se muito. Eles jogaram uma partida. O Mariano olhou para eles com inveja e então entendeu que se não partilhava as suas coisas com os companheiros, ele seria infeliz. No dia seguinte, no recreio, ofereceu a bola aos colegas para todos jogarem futebol juntos com a nova bola, e os colegas disseram-lhe: “Obrigado”. E o Mariano até fez um gol e entendeu que compartilhar é muito bonito.».
━ Gostaste? perguntou a professora.
A Rita suspirou e comentou:
━ A professora sabe que pode dizer a mesma coisa mais eficazmente e sem nos aburrir?
━ Não…
━ Então observe…
«Aconteceu que havia um rapaz chamado Mariano, muito egoísta, que dando pontapés à bola ele sozinho aborreceu-se e compreendeu que partilhar é muito bonito».
━ Mas, Rita, se fizeres isso, já não há conto.
━ A sério? Nunca teria dito que o que a professora escreveu fosse um conto…
Frantz Ferentz, 2014
Portanto, o conto literário tem uma série de traços próprios que o individualizam dentro do conjunto das estórias. Ele é o verdadeiro objeto de estudo e é preciso que à hora de analisar os materiais que leem as crianças tenhamos presentes o que é uma estória, um pseudo-conto e um conto.
A TIRANIA DO POLITICAMENTE CORRETO
Nos últimos anos, tem-se desenvolvido uma teima entre editores, autores e mormente educadores para os contos serem politicamente corretos. Isto produziu que textos inclusive clássicos fossem revistos do ponto de vista da linguagem, chegando a extremos como ter criados listas de livros não aptos para a infância.
Não vou entrar a discutir cá o grau de estultícia que podem chegar a alcançar estas revisões e estas listas negras, pois são injustificáveis (e que de facto não têm nada a ver com a proteção à infância, embora tencionem sê-lo)
Novamente utilizo um conto para ilustrar como essas mentes bem-intencionadas não fazem mais do que destruir a literatura com o objetivo de introduzirem ou eliminarem elementos que acham que os leitores infantis não conseguem perceber, o qual é totalmente falso. É possível que nalgumas ocasiões seja preciso explicar ao público infantil o contexto em que uma obra foi criada para entenderem porque se dão certas expressões e até passagens, mas é absurdo manipular e mudar trechos dos textos para “proteger” a infância.
Na verdade, a questão da introdução forçadas dos valores e a procura de formas politicamente corretas vão amiúde juntas. Tem muito a ver com a tendência de superproteger os miúdos e os graúdos, evitando-lhes qualquer frustração, o qual não faz mais do que criar adultos pusilánimes.
Eis o conto:
«Era uma vez um cão que passava as noites a ladrar.
» Tanto ladrido não mais do que incomodar os vizinhos.
» Falaram com o dono do cão para fazê-lo calar-se, mas não havia jeito.
» O cão continuava e continuava a ladrar todas as noites, também nos fins de semana.
» Ninguém no bairro conseguia fazê-lo calar-se.
» A gente, desesperada, quis uma noite assaltar a casa do amo do cão e tapar o focinho do animal.
» Mas então chegou Dona Margarida Fernández de Andrade Lopes da Ribeira, que era experta em cães, disse a todos os vizinhos zangados:
» ━ Este cão precisa que lhe demonstrem que gostam dele.
» E desde esse momento, todos os vizinhos, em turnos de dois, dedicaram-se a fazer festas ao cão um bocadinho antes de irem dormir, de modo que o cão não voltou a ladrar mais à noite.»
Dona Letícia Filomena da Rua, mestra de profissão e amante dos contos, ficou toda satisfeita com aquela história que acabava de compor. Decidiu que a daria a ler aos seus estudantes naquela mesma manhã para depois eles escreverem uma composição sobre ela e, se calhar, criarem uma obra de teatro baseada no seu magnífico conto, porque, segundo ela, era magnífico.
Sempre dava os seus próprios materiais aos estudantes. Para isso, depois de os compor, tirava pela impressora tantas cópias quantos estudantes tinha. E levava o pacotinho para a sala de aula.
Naquele dia não foi uma exceção. Deixou o computador aberto no seu estúdio e foi tomar o café na cozinha. O recendo do café chegava-lhe do outro extremo da casa, de maneira que não ia poder negar-se a ir tomá-lo… Adorava café! Da cozinha sentiu o filho, Luís Alfredo, por algum lado na casa.
━ Á, Luis Alfredo, estás já preparado? –chamou a mãe pelo filho com uma chávena de café entre as mãos.
━ Um momento, que ando aqui a preparar umas coisas para a escola.
Que filho tão porreiro tinha Dona Letícia Filomena da Rua. Quando acabou de tomar o café, voltou para o seu estúdio. E assim, premiu a tecla de imprimir. Vinte e duas cópias, tantas como estudantes tinha e mais uma para si. A impressora começou a cuspir as cópias. Quando estavam todas preparadas, Dona Letícia Filomena da Rua meteu as cópias na pasta, recolheu o filho e todos –mãe, filho e as vinte e duas cópias– foram para a escola bem cedo.
Dona Letícia Filomena repartiu o conto entre os seus estudantes. No início, todos leram com pouco interesse. É preciso dizer que as histórias da mestra lhes eram algo tediosas, aborreciam com elas, sempre eram tam bonzinhos todos… Porém, ao chegar ao final, começaram a sentir-se gargalhadas pela sala de aulas.
Dona Letícia Filomena não esperava aquilo. Aquela sua história estava a ter um sucesso inesperado. Estava emocionada, aínda que não entendesse muito bem porquê, visto que ela escrevera como sempre fazia e, por norma, não costumava incluir questões de humor nos seus escritos.
Porém, tudo ficou esclarecido quando releu a sua história. O início e o meio eram iguais, mas o final, não…
«Era uma vez um cão que passava as noites a ladrar.» Tanto ladrido não mais do que incomodar os vizinhos.» Falaram com o dono do cão para fazê-lo calar-se, mas não havia jeito.» O cão continuava e continuava a ladrar todas as noites, também nos fins de semana.» Ninguém no bairro conseguia fazê-lo calar-se.
» A gente, desesperada, quis uma noite assaltar a casa do amo do cão e tapar o focinho do animal.
» Mas então chegou o vizinho rockeiro do quarto andar, que era experto em sons a todo volume, disse a todos os vizinhos zangados:
» ━ Este cão precisa que alguém lhe ensine a ladrar rock.
» E desde esse momento, o vizinho rockeiro dedicou-se a ensinar ao cão a ladrar acompanhado da guitarra elétrica. E como os ensaios eram tão duros de dia, de noite dormia como um santinho.
» Pois é, o cão acabou publicando um disco de ladrorrock com muito sucesso entre cães e os donos dos cães.»
Dona Letícia Filomena não podia acreditar. Ela não escrevera aquel final do conto! Aquel estranho evento precisava duma investigação.
Por isso, quando voltou para casa, começou a investigar o que acontecera. Repassou mentalmente tudo o que se tinha passado desde que acabou de escrever o conto até que o imprimiu. Era um lapso de só dez minutos, incluído o tempo que tinha estado na cozinha a tomar café.
Coçou a cabeça até quase lhe sair fumo. A ver, quem estava em casa, além dela, durante aquel momento? Claro, o filho, o Luis Alfredo!
Devia ter sido ele, quem senão? Não entrara mais ninguém em casa, a menos que se tratasse de um fantasma, o qual ela sabia que podia acontecer, porque os espíritos são mesmo capazes de escrever com o computador.
Mas não, o mais provável é que se tratasse do Luis Alfredo. Encontrou o filho a fazer os deveres no seu quarto, enquanto comia uma sande de queijo com marmelo e ouvia música com os audífonos.fuches ti quem mudou o final do meu conto?
━ Luis Alfredo –começou a dizer a mãe━, quero que me digas a verdade:
Mas Luis Alfredo só cantarolava algo em inglês, ou algo parecido ao inglês, que era o que escutava pelos fones.
A mãe teve de lhe retirar os auscultadores e repetir-lhe a pregunta. E o Luis Alfredo, sem se imutar, respondeu:
━ Claro, mamã, porque és muito antiga tu com isso dos contos. Tens boas ideias, mas não sabes como as acabar. Os teus estudantes estão fartinhos das tuas histórias onde todos são bonzinhos e todos seguem as regras. Por isso, para te ajudar, hoje quis colocar algo da minha própria colheita. E diz, resultou?
Claro que resultara. Dona Letícia Filomena teve vontade de castigar o filho, mas compreendeu logo que graças a ele triunfara na escola. Como era uma boa mestra, houve de reconhecer que se trabalha melhor entre os dois.
Por isso, desde aquel dia, Dona Letícia Filomena ficava dez minutos a tomar o café na cozinha e, entretanto, o filho entrava sigiloso no estúdio dela e, depois de ler o conto iniciado, inventava ele o final que lhe quadrasse sentado diante do computador.
© Frantz Ferentz, 2010
O CONTO É PARA CRIANÇAS OU PARA ADULTOS?
Nos estudos literários, e também na mercadologia literária, existe uma etiqueta para quase tudo. Para além dos géneros (suspenso, amarelo, romântico, aventuras, etc), tende-se também a classificar a literatura segundo o público alvo para o qual se escreve. E é mesmo aí que existe uma tripla classificação segundo a idade para a qual vão dirigidos os textos. É por isso que, grosso modo, se fala de literatura infantil, literatura juvenil e literatura adulta, sendo esta última a convencional. Já nem vou entrar em como estabelecer as fronteiras entre os diferentes tipos de públicos, onde é que começa a juvenil e termina a infantil, ou quando é que um leitor pode ser considerado adulto, porque não há qualquer consenso sobre isso.
Porém, o estabelecimento destas barreiras nítidas no mercado e a academia, não se correspondem com a realidade. Existem textos cujo alvo é o público infanto-juvenil mas que são lidos por leitores adultos. O caso mais conhecido é a saga do Harry Potter. E o que dizer dos romances de Jules Vernes, que na altura não eram próprios do público juvenil, mas que no século XX foram devorados por gerações e gerações de adolescentes? Por outro lado, existem textos cuja etiquetagem é absolutamente errada, como é o caso d’O Principezinho. Esta singular novela não vai ser direcionada a um público infanto-juvenil, mas adulto. É curioso ver como o livro em questão é colocado nas livrarias na seção de literatura infantil. Há quem até diz que este livro tem dois níveis de leitura. Todavia, o seu autor não pensava num público infantil à hora de o redigir e nem o público jovem tem capacidade de perceber a profundidade da mensagem de Saint-Exupéry.
Portanto, se aceitarmos que existem textos que têm os jovens (e crianças) como público alvo, mas que são lidos por público adulto, então é preciso falar de literatura infadulta. Este conceito nasce da combinação de inf(antil) e adulto. Com ele queremos falar dos textos à partida gerados para um público infanto-juvenil, mas que chegam facilmente a um público adulto. É preciso dizer que não qualquer texto infantil interessa ao público adulto. De facto, os textos para primeiros leitores, por motivos óbvios, não interessam aos adultos, mas sim poderíamos coligir que determinados textos, aptos a partir de uma idade aproximativa de dez anos, gostam a uma série de leitores adultos. Estes seriam os textos que podemos classificar como infadultos.
A questão é que se deveria iniciar uma investigação para entender quais as características dos textos infadultos, ver que temáticas apresenta e porquê certos adultos gostam de textos para a infância ou a adolescência. Eis a clave.
Todavia, deixamos aqui a questão e ficam abertos todos os caminhos para uma eventual análise, porque parece que entramos num terreno fangoso que dará muito para discutir, principalmente porque ainda há muitos adultos que, quando leem textos para crianças, escondem os livros embrulhando as capas em papel de jornal para as pessoas ao redor não se aperceberem. E tudo por não deixarmos sair o miúdo que levamos dentro…
Leituras
Nas seguintes ligações fala-se da necessidade dos adultos lerem textos infantis. Esse é o início da questão, mas apenas isso, o início.
Why adults shouldn’t be embarrassed to read children’s books
Why All Adults Should Read Children’s Books
Why All Adults Should Read Children’s Books
6 Reasons Adults Should Read Children’s Books
https://www.lakeside.com/jma/6-Reasons-Adults-Should-Read-Childrens-Books
Referências
Sartel, M. Conto.
https://www.portugues.com.br/literatura/o-conto-suas-demarcacoes-.html